Ao ver o açúcar eclipsar-se à medida que caía no copo e dançava com a água, perguntou:
-E eu, avô, também posso desaparecer?
As rugas rasgadas à faca pela mão do tempo desenharam-se-lhe num sorriso babado.
Aquelas tardes tinham esse poder. Não sabia se era o Sol a banhar de laranja o verde dos montes, não sabia se era a casa caiada num branco, que de tantas vezes forçado a ser branco, não envelhecia, nem sabia se era o carvalho velho e os seus ramos de onde nascia a sombra, prolongamento de brisa ligeira esticada languidamente até aos banco e mesa de pedra. Sabia que aquele peso em forma de gente sentado nas suas pernas, davam o toque especial, o brilhozinho peculiar àquele tempo que de tão lento que é, passa depressa demais. Sabia que atentava aos pormenores, porque tinha isto tudo, e nada mais.
Hoje era a magia de uns grãos de açúcar num copo de água.
A mãozinha exploradora voltou a deixar cair mais uns grãos, agitou a água e, com a excitação que os anos ainda não tinham tido tempo de apagar, que a vida curta ainda preservava ante corriqueirices que com a idade passam ao lado e perdem o encanto desmerecidamente, deixou um fio de voz morrer na garganta, engolido pela agitação e abanou as pernas num choque de encantamento.
-Consegues fazer-me isto, avô? Também posso desaparecer?
-Na verdade o açúcar não desaparece…
Com a incredulidade aguerrida de quem acredita no que vê, contrariou o avô:
-Mas sim!
-Parece que sim, mas na verdade não. O açúcar junta-se à água. Não vês os grãos mas ele está lá. Ora prova um bocadinho…
A língua habituada a ser curiosa em forma de perguntas, saltou logo para fora, com vontade de provar, não tanto a água, mas que o que o avô lhe dizia, não era verdade. Um dedo de muitos anos vivido prendeu na ponta uma gota tocada de dentro do copo, e trouxe-a mesmo a tempo de cair na sua boca.
Engoliu.
Degustou.
Torceu o nariz.
Deu-se por resignado. E não é que a água era mesmo doce?
-Vês? Nada desaparece. As coisas juntam-se umas às outras, deixam bocadinhos de si espalhados de forma a nunca acabarem!
»E além do mais, para que querias tu desaparecer?
-Para que ninguém me visse. Para que eu não soubesse que estava aqui…
-Mas ia haver quem ficasse preocupado com a tua ausência.
-Eu fazia como o açúcar então: deixava-lhes um bocadinho de mim…
-E eu, avô, também posso desaparecer?
As rugas rasgadas à faca pela mão do tempo desenharam-se-lhe num sorriso babado.
Aquelas tardes tinham esse poder. Não sabia se era o Sol a banhar de laranja o verde dos montes, não sabia se era a casa caiada num branco, que de tantas vezes forçado a ser branco, não envelhecia, nem sabia se era o carvalho velho e os seus ramos de onde nascia a sombra, prolongamento de brisa ligeira esticada languidamente até aos banco e mesa de pedra. Sabia que aquele peso em forma de gente sentado nas suas pernas, davam o toque especial, o brilhozinho peculiar àquele tempo que de tão lento que é, passa depressa demais. Sabia que atentava aos pormenores, porque tinha isto tudo, e nada mais.
Hoje era a magia de uns grãos de açúcar num copo de água.
A mãozinha exploradora voltou a deixar cair mais uns grãos, agitou a água e, com a excitação que os anos ainda não tinham tido tempo de apagar, que a vida curta ainda preservava ante corriqueirices que com a idade passam ao lado e perdem o encanto desmerecidamente, deixou um fio de voz morrer na garganta, engolido pela agitação e abanou as pernas num choque de encantamento.
-Consegues fazer-me isto, avô? Também posso desaparecer?
-Na verdade o açúcar não desaparece…
Com a incredulidade aguerrida de quem acredita no que vê, contrariou o avô:
-Mas sim!
-Parece que sim, mas na verdade não. O açúcar junta-se à água. Não vês os grãos mas ele está lá. Ora prova um bocadinho…
A língua habituada a ser curiosa em forma de perguntas, saltou logo para fora, com vontade de provar, não tanto a água, mas que o que o avô lhe dizia, não era verdade. Um dedo de muitos anos vivido prendeu na ponta uma gota tocada de dentro do copo, e trouxe-a mesmo a tempo de cair na sua boca.
Engoliu.
Degustou.
Torceu o nariz.
Deu-se por resignado. E não é que a água era mesmo doce?
-Vês? Nada desaparece. As coisas juntam-se umas às outras, deixam bocadinhos de si espalhados de forma a nunca acabarem!
»E além do mais, para que querias tu desaparecer?
-Para que ninguém me visse. Para que eu não soubesse que estava aqui…
-Mas ia haver quem ficasse preocupado com a tua ausência.
-Eu fazia como o açúcar então: deixava-lhes um bocadinho de mim…
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