Eu tenho um problema: de cada vez que saio de casa, nasce-me um "i" no meio da testa. Às vezes cruzam-se no meu caminho pessoas a precisar de informações, outras vezes (raras, raríssimas), não. De outra forma não é explicável a quantidade absurda de informações que me pedem na rua!
Eu sou distraída. Pior! Eu sou tão distraída, ando tão abstracta, tenho uma bolha de tal modo fechada à minha volta não patrocinada por marca alguma, que "distraída" não chega para definir o estado em que ando quando ando sozinha na rua e qualquer dia (quem sabe se com o novo acordo...) inventam uma palavra para terem no dicionário com essa mesma definição. Pelo amor da Santinha, eu já estive para ser atropelada por 3 vezes por um eléctrico. TRÊS VEZES! UM ELÉCTRICO! Que anda sobre carris, sempre no mesmo percurso que ainda para mais se vê e sente no chão, apita estridentemente e anda com uma velocidade a rondar o meio kilómetro por hora!
Como se a distracção não me bastasse, não tenho jeito nenhum para nomes, muito menos os de ruas. E como se isto não bastasse, o meu jeito para dar informações não é uma das minhas características mais gabáveis. É assim um bocado como o jeito que eu não tenho para dar aulas: parto sempre (inconscientemente, claro) de que quem ouve, ou já sabe ou, pelo menos, devia saber o que eu sei, por isso atropelo as palavras com o pensamento, e já vou na expedição a Marte, quando na verdade ainda estão a eclodir os primeiros ovos de dinossauros.
Mas as pessoas não parecem saber disto! Não notam que eu vou na minha, alheada, longe de tudo e de todos, e abordam-me vezes sem conta com perguntas incrivelmente disparatadas aos olhos do meu estado de alma.
"Oh menina, pode-me dizer as horas?" e eu quase que grito de susto, porque me acercam por trás e eu vou a pensar em tudo menos no relógio, e até perco por momentos o saber necessário para ler as horas que realmente eram, e digo "meio-dia e um quarto" ainda com o coração aos pulos, e a senhora que disparou a pergunta dispara a correr porque devia ir atrasada, ao que, não sei por força de que força, talvez pelo magnetismo da Terra, vá-se lá saber, olho de novo para o relógio e são na verdade uma e um quarto, e pois que indo a senhora já longe no seu passo de corrida rasteirinho (como é apanágio das senhoras...) me vejo forçada a gritar "UMA E UM QUARTO, DESCULPE!" ao que a senhora me acena, não quero nem saber o que ela percebeu e muito menos o quanto ela me mal-disse quando chegou uma hora mais cedo ao sítio onde pensou chegar cinco minutos atrasada...
"Desculpe, donde fica la (?)"
e eu "Oi?!"
e outra vez "Donde fica la (?)"
e eis que não vejo solução para o embróglio que sacar do mapa das mãos da senhora e ficarmos as duas feitas turistas a seguir ruas com a ponta dos dedos, eu com a esperança do teleporte, a senhora com a esperança de que eu não lhe fuja com o mapa, a informação, e a expectativa de umas boas férias...
"Desculpe, pode-me dizer ebrifnvhmox as Finanças?"
*acho que não percebi a parte fulcral da pergunta, mas "Finanças" ouvi de certeza, e esta sei!*
"Há duas: uma aqui *apontar para a direita*, uma ali *apontar para a esquerda*, agora para que serve cada uma delas, isso já não sei..."
e já me preparava para tirar dali a minha incompetência debaixo do braço, quando
"Eu sei!..."
e já vou eu a pensar "então p'a que pénis* pergunt..."
quando "...Eu quero é saber da porta, que eu quero é ir a esta *aponta para a direita* que é onde se entregam os impressos! *carimbada de ignorante na testa da Raquel*".
Volto eu ao pensamento "velha estupida..." que, em palavras se traduziu "É ali. Está a ver... *tem uma janela, outra janela, e depois UMA PORTA!* ali..."
"Ah, obrigada."
*Pois de facto fui, mas foi desde pequenina, a aprender a distinguir portas e janelas!*
*assoar o nariz*
-"Mi desculpe..."
*oh meu de... Ele estará mesmo a falar para mim?!*
-"Una livraria mui famosa"
*ai!... Está mesmo! Oh caramelo dum raio, y el lencito na nariz, no?! E perguntar ao senhor que ia à minha frente, ou à senhora que vem atrás de mim?!*
*dobrar o lenço, fungar um resquício que com o choque ficou a meio caminho*
"Ali *apontar para baixo* prédio branco BRANCO, si?"
-"Si si..."
*Não, mas não... Não agradeças, que eu estou cá é para isso!*
Semáforos... Vermelho para peões... Duas peões estacam à minha frente a falar uma com a outra *não, mas deixem-se estar, OK? É que a) eu nem estou aqui à espera que o semáforo mude e b) muito menos preciso de o ver!*
"bla bla bla *olhar para a placa da rua* bla bla bla *como quem não quer a coisa, mas fartinha de a querer* -Olha desculpa!"
*pronto, PRONTO! É que tinha mesmo que sobrar para mim, não tinha?!*
"... a Rua já-não-me-lembro-qual?"
Não sei se sabia, se não sabia, não sei se acertei, se não. Um facto é que para as tirar da minha frente mandei-as para uma rua que podia muito bem ser a dita cuja, e ainda usei "transversalmente" na frase!: "é a rua que corta esta transversalmente..."
*Estão a ver o que me obrigam a fazer?!*
Ainda andei ali uns bons 500 metros a tentar recompôr-me, que um "transversalmente" saído assim sem se contar é coisa para abananar qualquer um!
Razão tinha o Peter, quando dizia que eu devia ter ido para guia turística... Era tudo o que sou hoje, com a benesse de ser paga!
*ando-me a treinar a não dizer palavrões (não lhes chamo "palavras feias", porque beleza por beleza (semântica, óbvio, nem vou entrar por aí...) "car*lho" é bem mais bonita que... esta... Mas é um palavrão e eu ando-me a treinar para não os dizer...)