quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Será razão para alarme?

Estávamos as três na cozinha: eu, encostada ao umbral da porta tendo já desbobinado o meu dia e o que mais me aprouve; a minha mãe, plena de toda a sua multifuncionalidade, com o estrugido já a rugir, a maçã para a sobremesa já partida aos bocadinhos e a cozer, e pendente à banca a passar uma louça por água; e a televisão, que na altura vomitava publicidade. Às tantas, um anúncio da Worten:

-"bla bla bla uma máquina de lavar já-não-sei-se-roupa-se-louça com eficiência A+"

Voltando-se para trás, com o ar tanto de admiração como de desconfiança de quem acabou de ouvir anunciado que vai começar a chover notas de €200, diz indagando, a senhora minha mãe:

-Uma máquina com deficiência a mais?

Não me tendo apercebido de qualquer tom irónico, tão-pouco de qualquer pontinha do humor palerma que corre, geneticamente, nas fêmeas bípedes desta casa, soltei um "-Sim, mãe, porque faz todo o sentido..."

Dando-se conta de que a coisa não estava a correr bem para os lados dela, e sem esconder o sorriso que ameaçava despontar, mas tentando, disse um "-Oh, a sério..."

Rendida à placidez assim escancarada, lá expliquei: -Claro que não! Eficiência A+. Máquina com E-FI-CI-ÊNCIA "A" *desenhado no ar com o indicador* MAIS!

E, rindo-se de si própria como só os sábios são capazes, lá rematou: -Eu vi logo que não podia ser...


"E se não fossem inesperados destes de que riria o homem vivendo na sua rotina?"

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A prata da casa

Depois do enésimo ano a dar aulas de Bioestatística que resultou, vá-se lá saber se por força do cansaço ou outra qualquer menos badalada mas igualmente limitadora, numa caca muito grande, desde frequências por corrigir, a alunos insatisfeitos, a exames em Agosto, pontuados por uma percentagem assustadoramente reduzida de aprovações, eis que Pedro, O Lago é retirado do ensino da mesma neste ano lectivo que corre.

"E tu ainda não fizeste Bioestatística?!"

A questão não é essa, meus queridos! (De mais a mais, quem é que depois vos contava estas coisas?) É sim um dos slides da primeira aula que prontamente exibirei:


Pode-se tirar a Bioestatística do Pedro Lago, mas nunca, jamais! se poderá tirar o Pedro Lago da Bioestatística!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A minha vida afigura-se sem sentido

Já plantei a árvore que me competia; filhos ainda não os tive, não os vejo para breve mas quero-os, e em caso de maior aperto por dificuldade em encontrar quem comigo os queira também, aconchega-me o saber que me basta acenar com o meu útero ao Cristiano e fica o caso resolvido. Agora escrever um livro? Sair um livro com frases por mim construídas, palavras por mim postas juntas e eternizadas, com este Acordo Ortográfico? É que nem pensar!!!

Estou feita...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

You sexy thing!

Já não havia luz que descesse do céu, e o amarelo que escorria dos postes de iluminação ainda era parco e insuficiente para desenhar com perfeição e claridade os contornos das sombras e das coisas que as formam. Em alturas destas, há outros sentidos que não a visão mais à coca de acontecimentos para descortinar. Sendo que não ando às apalpadelas -na via pública, pelo menos-, nem com a língua de fora, e o frio cortante anestesiava o olfacto, acrescendo-lhes ainda o facto de que o que se avizinhava soa como um bom champagne a borbulhar num copo, como uma cria de leão a fazer ron-ron, como um vozeirão másculo, viril e incontrolavelmente apetecível, ouço aproximar-se em jeito de desaceleração e à medida que caminho para a passadeira, o trabalhar dum veículo que nasceu para ser carro, mas é muito mais do que isso.
Espreito, vejo a frente dum Ford Fiesta do século passado, ponho a ponta do pé na estrada e eis que ali atrás, tão pertinho de mim, tão inatingível e tão inimaginável se desenha um Aston Martin.
Perdi o controlo do meu maxilar inferior, que caiu em jeito de espanto contemplativo. Continuei caminho com a cabeça presa pelos fios invisíveis que saíam das linhas daquela maravilha. Cheguei ao outro passeio a dar graças por ainda haver carros aos quais custa a arrancar, parei com a minha expressão de êxtase no condutor, pisquei-lhe um olho, ele acelerou provocadoramente, e sei que ele seguiu caminho a pensar: "Tenho um carro tão potente que até entraram ciscos para o olho daquela miúda!"