quinta-feira, 14 de maio de 2009

O Amor é uma fervura/ Que a saudade não segura/ E a razão não serena


-Valeu a pena, pelo menos...?

-Huh?!

Já nem se lembrava de que ali estava. Era fácil a cabeça vaguear-se-lhe para longe. Tinha tantas vontades, tantos quereres, tanto onde e com quem estar, que o tempo não lhe chegava para tudo. Às vezes fazia o exercício de pensar "e se agora, eu não estivesse aqui, mas noutro lugar?", e lá ia passear pelas ruas intrincadas da imaginação, tão-pouco dando-se conta de que o corpo permanecia no mesmo sítio.

De súbito, os cheiros, familiares como eram, a café torrado e a madeira humedecida pelas gotículas da chuva que se esgueiravam para dentro de cada vez que se abria a porta e que nas paredes encontravam descanso, finalmente aquecidas por gentes e respirações, vapores e luzes, ligaram-lhe a capacidade cognitiva. As luzes desenharam as paredes da sala, amarelo-acastanhada, soturna em dias como aquele; os sons fizeram-se em conversas nas mesas vizinhas, àguas ferventes e borbulhantes, e deu-se conta de onde estava. Uma sensação de aconchego percorreu-o.
Não que não quisesses estar ali. Mas era-lhe tão fácil a mente vaguear-se-lhe para longe...


-Se valeu a pena! Como diz o Rui Veloso, "se tiver de ser, ao menos que valha a pena"... Valeu a pena?

Num silêncio de quem repete para si a pergunta e lhe tenta tirar o sentido à força da repetição -tantas vezes que já o fez e não resultou!-, conseguindo não mais que lhe descobrir os meandros; de quem sabe mas não quer dizer, com medo de que as coisas se tornem mais verdadeiras só por saírem da boca para fora, só quando saem da boca para fora; num silêncio que não corre por mais que se estique, que tanto se quer perpetuado ou fulminante, cresce a voz num grito pouco mais que mudo, tímido e penitente:
-Não...


Ela fez-lhe um aceno contido, levantou-se mal arrastando, quase deslizando acima do chão, suspensa por uma qualquer força invisível a cadeira e saiu.

Lá fora o frio de Inverno era cortante. Arrasava as orelhas e a cara, e num aconchego que se queria de outros braços, guardou-se nos seus próprios e desceu a rua, travada pelo vento mas impulsionada pela vontade, levando somente a certeza de que aquele seria, a partir de então, mais um lugar desfeito, morto para sempre...

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