sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Uma partida de S.Bento

O comboio era às 17h45, mas era mais que provável não chegar a tempo. Não faz mal, há o das 18h25. Perde-se um tempinho aqui, olha-se para uma montra ali, até se vai comprar um bolinho à pastelaria, e nem se diz mal dos semáforos!
S. Bento é uma estação de comboios. Os comboios são pontuais e não esperam por ninguém. Além do mais, agora em época de tecnologias, chegada à hora da partida, as portas fecham e não mais voltam a abrir, e o comboio parte atingindo pouco mais demorado que instantaneamente uma velocidade considerável. Antigamente, quando as portas eram tão toscas que abriam só com a trepidação do comboio e o mesmo ia em passo de caracol nos primeiros 700 m, quem se atrasasse um pouquinho ainda conseguia entrar, levar malas e família, que ia tudo também, sem incidentes de maior. S. Bento é uma estação de comboios e os comboios são pontuais. O mínimo a esperar seria que os relógios também o fossem. Mas não. Estão adiantados. Ou seja, quando ainda de fora se olha para o relógio que está no exterior da estação e se vê as horas passadas, pensa-se "Já fui".
Continuando nas calmas a que me forçava a ir, entro na estação e ainda lá estava
Braga a piscar Partida. "Até é numa das linhas mais perto, ainda devo conseguir." Não era à toa que em cinco anos de ciclo era conhecida por Rosa Mota... A única coisa que ainda não estava provada (ou rejeitada) era se a Rosa Mota era igualmente boa em corrida obstáculos. Primeiro, e assazmente frequente em S. Bento: gente a movimentar-se em sentido contrário ou paralelo ao nosso. Explico-me: ou vêm de lá para cá, e nós a querer ir para lá, ou atravessam-se no caminho vindos da direita ou da esquerda, sem que ninguém contasse com eles. Há quem lhe chame teleporte... Primeiro obstáculo então, uma jovem em jeito de formiga perdida do carreiro, atarantada mesmo no momento em que eu por ela tinha que passar. Uns swings para aqui e para ali, e obstáculo transposto. Segue-se a fila de quem está a tirar bilhete nas máquina que, por mão de algum iluminado de luz apagada se lembrou de as pôr em frente às portas. É que dá jeito! Porque quem tem pressa ou não, passa pela porta. Ora como quem tem pressa ou não são poucas pessoas, não dá confusão nenhuma!!! Mais umas fintas, e outro inimigo a menos. Pormenor importante: tenho que obliterar. Na minha miopia vislumbro na linha que me dizia respeito uma máquina. Atinjo então a velocidade de ponta, porque vou bem encaminhada. À medida que o espaço encurta, a miopia também perde efeito, e eis que a máquina era só para os andantes... Isto exige a) uma travagem brusca e mudança de direcção, ou b) desistir e esperar calmamente pelo próximo quim (relembro que no relógio da estação, a hora da partida já tinha sido há uns bons 5 minutos). Mas bem, já que estou lançada e com o sangue a jorrar para os músculos, porque não ir até à máquina e voltar a correr para aqui, não vá ter sorte. Lá vou eu, na tosquice que tão bem me caracteriza, de pasta numa mão, com o bilhete na outra, carteira a cair e com madeixas de cabelo tombadas para a cara, que tinham tudo para serem sexy's, não fosse o momento, até porque quando é o momento, ninguém sabe delas, e chego-me à máquina de bilhete em riste... e a dita cuja estava com uma folhinha a tapar-lhe a ranhura, com umas letras que diziam "AVARIADA" e que eu li "CP, a copular pessoas desde tempos idos (gostamos particularmente das atrasadas)". Lanço um grunho de desagrado, demasiado sonoro ao que pareceu, porque um senhor que na máquina ao lado validava o andante julgou ser para ele, tirou logo o andante da frente da máquina e disse "Já podes, já podes!" (ainda agora julgo que ele viu faíscas a sairem-me dos olhos quando grunhi. De outra forma, não percebo porque um homem se sentiria tão intimidado por uma "eu" esbaforida...). A caminho da outra máquina que me servia -sim!, porque a esta altura, já nem pensar desistir! Depois de tanto passar, ai daquele comboio que parta sem mim!!!-, lá desenhei um sorriso forçado ao senhor e lhe disse "Não, eu queria era a outra...". Já tinha o cartão dentro da máquina quando dei conta de que elas têm um relógio digital ao que eu esperava estar correcto. "17h43". 'Tá quase, mas ainda dá! Mais fácil de pensar do que de o ver feito. *Ronk*ronk*ronk*, gostava eu de saber que diabo se passa dentro das máquinas e com O MEU cartão, que em termos de barulhos me ganham, e que demoram tempus infinitus a mandá-lo cá para fora. Lancei mais uns impropérios, que para além de estar a ficar sem paciência, consta-me que há quem funcione melhor à base de ser achincalhado. Se por isso ou não, a verdade é que o meu cartão lá foi cuspido, e arranco eu mais a minha velocidade para a linha que me esperava. Mas eis que de repente e sem aviso prévio (que é o que tem de normal o ser de repente, é que vem sem aviso prévio...), *DOOOOOR!!!* A coxa, a micro-ruptura passada mas mal sarada, nããããããõo!!! Mas agora, que se ph*da, que nem que deixe aqui a perna, eu HEI-DE entrar naquele comboio!!!
Vamos fazer um ponto da situação: já tinhamos 2 obstáculos ultrapassados (a jovem a meio de caminho e a fila de quem tira bilhetes), 2 imprevistos aniquilados (a falta da máquina e a avaria de outra), e uma dor bastante limitante numa coxa, que se dói a andar, não queiram imaginar a correr... No entanto, já "só" faltava entrar no comboio. Que mais poderia acontecer? Nada! Mentira. Podia sim... E aconteceu. O ideal nestas coisas é entrar logo na primeira porta, que ainda que o espaço por ela delimitado possa estar muito atafulhado, pelo menos já estamos dentro do comboio, que é basicamente o que interessa. Mas eu sou uma cachopa com muita sorte, que toma sempre as decisões acertadas (e que tem um dom especial para a ironia...), e por isso... a porta estava avariada... Tudo bem, tudo bem... Eu vou até à próxima...
*auto-cafuné nas orelhas* Chegada à outra, três marmanjos estavam feitos porteiros de discotecas na entrada, e achas mesmo que facilitamos a quem vem atrasado e quer entrar? Oh facilitas! Mas tudo bem... Eu até já estou a atingir o meu estado zen. Já nem vou a correr para a terceira porta. O desgraçado do comboio que espere, que de mim não leva mais esforço nenhum. Entrei às 17h44, encostei-me no varão, chegaram as 17h45, e lá fui eu, com os bofes de fora, com uma micro-ruptura acordada dum estado de latência que não sabia tão sensível, no comboio que nunca pensei conseguir apanhar se tivesse ido directa para S. Bento, quanto mais parando aqui e ali, e depois de tantas peripécias no espaço mínimo de 2 ou 3 minutos...
Valeu a pena? Vou acreditar que sim, embora não tenha fundamentos por aí além...

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