Nem por qualquer outra quantidade. Fui, isso sim, raptada pelo trabalho de bastidores e não só, que um Campeonato do Mundo exige.
Desde o dia 17 até ao dia 24, foram 8 dias de poucas horas dormidas, quantidade de trabalho absurda, músculos doridos, muito sol na fronha, e peitorais de jogadores de rugby ao léu (é só para não dizerem que eu estou sempre a resmungar com tudo!).
Comecemos pelo princípio.
Dia 1 - 17 de Julho (a 4 dias do Mundial):
Depois de uma noite de três horas de sono, toca o despertador. Começámos bem... Missão: ir até ao Meliá de Gaia.
Eu tenho muita vontade (e um dia ainda o vou fazer), de me apetrechar de soquete branca e sandálias, calçãozinho caqui e t-shirt branca, banana à cinta e mapa na mão, e ir para uma cidade armar-me em turista. Desta vez faltou-me tudo excepto o mapa na mão. E assim nesse aparato, saio do comboio e desato a procurar nomes de ruas nas esquinas das mesmas. É de louvar o facto de, aparentemente em todas as ruas de Gaia, haver uma placa nas esquinas com o nome da rua. Não estou a ser irónica, é mesmo verdade, e dá um jeitaço descomunal para quem anda à deriva. Vi umas três ou quatro placas, mas nenhuma era a que eu queria. "Bonito, já me perdi e ainda nem comecei a andar..." Giro sobre mim mesma e eis que vejo uma esquadra da PSP. Vou até lá, endereço os meus cumprimentos ao Senhor Guarda que estava sentado atrás da secretária, e pergunto-lhe para que lado ficava a rua já-não-me-lembro-qual:
eu: -Bom dia [pausa para ele me responder], seria possível dar-me uma informação, por favor? Para que lado fica a rua já-não-me-lembro-qual?
sr.agente: -Hum... É para ali.
eu: -[momento de expectativa] Mas... "para ali", para a esquerda, ou "para ali", para cima?
sr.agente: -Está de carro?
eu: -[e isso implica alguma coisa com o local da rua?] Não, estou a pé
sr.agente: -[levantar da cadeira, acompanhar-me à porta] Disse a rua já-não-se-lembra-qual?
eu: -Sim...
sr.agente: -É a que vai até ao Tribunal! [sensação de dever cumprido]
eu: -[atonicidade total... Oh homem, se eu chego a uma esquadra da polícia e te pergunto por uma rua, é porque se calhar não sou de cá! Sei lá onde fica o Tribunal!] [tentando manter-me calma e com um sorriso nos lábios] Pois, e é a que vai para cima ou para a esquerda?
sr.agente: -É aquela [apontar para a esquerda], que é a que vai até ao Tribunal.
eu: -OK, muito obrigada, bom dia.
sr.agente: -Se seguir sempre vai ter ao Tribunal.
eu: -[sorriso forçado] Sim, bom dia, obrigada [ala daqui para fora, antes que ele me queira levar lá...]
Diz que Deus Nosso Senhor distribuiu coisas aquando da nossa feitura. Eu não acredito nisso, até porque se houve momentos em que Deus Nosso Senhor não deve ter estado com particular interesse, um deles é bem capaz de ter sido quando os meus paizinhos trucla-trucla. Mas isto sou eu, que qualquer dia desatam por aí a chamar-me de herege. Seja como for, volta e meia falha-me a sensatez.
Eu tinha um mapa patrocinado pelo tio Google, com um traçado todo catita que me levava da estação até ao hotel. Mas, eis senão quando, ao atravessar uma rua, olho para a direita e para além de não ver nenhum carro o que me permitia atravessá-la, vejo a torre do hotel. Ora, a dita cuja tem 22 andares, o que a torna praticamente visível de qualquer parte da cidade. Mas pensei nisso? Oh pensaste! Meti-me logo por aquela rua acima, "que por aqui é que vou bem, que é de certeza muito mais perto!" Acabou por correr bem, mas temi pela vida quando vi carros sem portas e sem vidros parados na berma da estrada. Foi um bocadinho assustador, principalmente quando dois dias depois tive que passar por lá às onze da noite! Um dia destes ainda se me acaba a sorte. Isso, ou convidam-me para me juntar a uma quadrilha!
Dia 2 - 18 de Julho (a 3 dias do Mundial):
Uma das razões para eu ter tido muito trabalho antes da minha equipa chegar, foi ter feito parte de dois departamentos: o da hospitalidade e o da acreditação. Este último implicou muita impressão, muita foto tirada a elementos de algumas delegações (a maior parte...) que não fizeram o trabalho de casa, muitos dados inseridos na base de dados, muita plastificação, muito corte na guilhotina. Se algum dia tiver que pedir emprego num escritório, já vou com uma pedalada tal, que passo logo à frente dos que andaram a tirar cursos teóricos.
Nestes dias que precederam o Campeonato propriamente dito, almoçávamos e jantávamos no hotel. O que era uma maravilha se conseguíssemos chegar ao buffet antes das brasileiras (cuja delegação chegou cá muito antes de todas as outras e muito antes do campeonato começar...), caso contrário, já pouca comida havia...
Sendo que enquanto as delegações não chegavam, não podíamos fazer nada, fui-me mitrar num outro departamento para me manter ocupada e facilitar-me a tarefa de não adormecer. Foram 500 t-shirts, 500 canetas, 500 brindes enfiados em 500 mochilas numa sala à tosta do Sol. Foi um trabalho em série que faria o Henry Ford sorrir de orgulho.
Quando chegava alguma delegação, era um montão de trabalho de secretaria inimaginável!
Dia 3 - 19 de Julho (a 2 dias do Mundial):
Mais do mesmo, fotos, impressões, problemas com a impressora, plastificações, ir a correr para o buffet e ainda assim as brasileiras já terem rapado tudo, mais fotos, mais dados inseridos, dar uso ao inglês, ter uma reunião para os guias, fazer uma visita às entranhas do estádio do Bessa, conhecer os meandros da coisa, e esperar pelo princípio da noite, altura em que chegavam os Marroquinos.
O primeiro impacto foi um bocadinho "ai credo, no que eu me fui meter!", porque o responsável que tinha chegado naquele voo não percebia puto de inglês, pouco francês falava, sendo que estava como peixe na água no árabe. Já eu, sinto-me bem com o meu inglês, dou uns toques fraquinhos no francês e do árabe sei as palavras que começam por "al-" na nossa língua, mas é claro que dizer-lhe umas quantas "alfarrobas", "alfaces", "almôndegas", "almofadas" não nos ia levar a sítio algum... Valeu-me o responsável da acreditação saber falar um francês exímio. Para além disso, entre 10 jogadores, 2 percebiam inglês, e nenhum dos 10 se importava com as patacoadas que que eu dava no francês, sendo que lhes agradeci de todas as vezes que me corrigiram, pedi desculpas de todas as vezes que dizia qualquer asneira, e fiquei encantada quando me diziam que não havia problema.
Acreditação feita, fui pôr os meninos a jantar, que deixaram combinado para o dia seguinte, um passeio matinal.
Dia 4 - 20 de Julho (a 1 dia do Mundial):
Ora, de Gaia, o que é que eu conheço? As caves do Vinho do Porto... Ali para a zona do hotel, nicles. Mas o que eles queriam era desentorpecer as pernas (porque estiveram muitas horas sentados no avião) e então andar pouco mais que à volta do hotel foi mais que suficiente. Mimaram-me logo ali de manhãzinha quando me viram, brindando-me com um "aahhh... La plus belle!..." Soube que moravam todos em França, e que representavam Marrocos porque são filhos de Marroquinos. Havia aliás um deles que era filho de um espanhol e de uma francesa/marroquina.
A partir deste dia, pensava sempre em três línguas (inglês, francês e português), e com eles falava 1/3 de francês, 1/3 de françuguês, 1/3 menos um bocadinho de inglês, e o bocadinho que falta, de linguagem gestual. Com o descendente de espanhóis, falava ainda portunhol.
Chegou a ser uma confusão tal, que já dava por mim a falar francês com o senhor da recepção do hotel, a falar portunhês com a minha mãe, a falar inglês com pessoal português. Foi tamanho exercitar de língua, ... [é melhor não continuar o raciocínio, porque ia sair malandrice e não vale a pena...]
Dia 5 - 21 de Julho (1º dia do Mundial):
De ressalvar, houve a Cerimónia de Abertura nos Aliados, não sem antes aqui a je andar pela baixa do Porto de carro com um jovem que não é de cá -e sabe quem me conhece (e fica a saber quem não conhecia), que eu para dar indicações sou um must!- para ir à última da hora entregar as credenciais aos VIP's da UP e da Câmara.
Dia 6 - 22 de Julho (2º dia do Mundial):
Ou, "o dia em que a Raquel transbordou e desatou a responder torto e em francês!"
Os jovens da delegação eram todos franceses, mas os cotas não. Moram todos em Marrocos e devem estar muito mal habituados com as marroquinas.
Ora eu faço tudo o que me compete, tudo o que é minha função ainda que possa achar mal, mas não me nego a nada. Mais do que isso, e ainda por cima levar com ares de quem quer mandar em mim, não!
Andavam o treinador e o treinador-adjunto a achar que a Raquel era burra de carga e empregada deles, e ligar ao que ela dizia no que toca a horas de treino, a horas de apanhar o autocarro, a horas de ir para os balneários ou para o campo, 'tá qu'eto! Vai daí, a meio dum jogo vira-se um deles para mim com o reizinho na barriga "Rachel, du glace!", farto de saber que o "glace" estava com o pessoal médico, para além do facto de eu estar numa bancada ao sol, coisa não muito aconselhável para armazenar gelo nem que eu quisesse!
-"Du glace, meu filho da mãe?! Achas mesmo que eu é que tenho du glace?! O glace está com os médicos, e eu estou ao Sol, e nem me vou levantar para to ir buscar porque tu tens a mania e eu estou farta de te aturar!"
-"Pardon Rachel, pardon..."
-Sabes o que se diz em Portugal? Mete o "pardon" pelo....
A partir dali, não me esforçava um cadicho que fosse por eles. Não percebes inglês? Problema teu, que a língua oficial do Campeonato é inglês, e não sou eu que me tenho que esforçar para falar francês. Não queres ir para o campo? Já disse para vos marcarem falta de comparência, que pode ser que para a próxima aprendas!
Para os meus meninos, tudo; para os cotas, nada.
Dia 7 - 23 de Julho (3º dia do Mundial):
Os meus meninos foram os que mais trabalho deram ao fisioterapeuta. Não houve um jogo em que eu não fosse com pelo menos um deles a correr para o gabinete médico, sendo que mesmo antes, durante e depois dos treinos, também não faltaram as idas lá.
No final do último jogo deles do dia, fui com três para o tratamento, onde ficamos um bom bocado de tempo. Saídos de lá, resto da delegação de grilo. Voltaram os meus pirolitos a ficar danados, tanto que os três que estavam comigo deram conta e me confessaram que também estavam furiosos com o sucedido. Fomos os quatro para o hotel, enquanto eles me diziam que iam dar cabo do treinador e me perguntavam se eu queria ir também. "Quero pois!"
Dia 8 - 24 de Julho (4º e último dia do Mundial):
Em campeonatos de rugby, as regras são um bocadinho diferentes. Primeiro há na mesma a fase de grupos, em que jogam todos contar todos dentro do grupo, sendo que depois, e consoante o lugar em que ficaram no grupo, há três taças a disputar: a Bowl, a Plate e a F CUP (F de Final, ou seja, a melhor, a que Portugal masculinos ganhou). E que equipa ganhou a Bowl, quem foi, quem foi? Marrocos, ora pois! Com uma guia tão inspiradora, quem mais...
E fiquei com a camisola do jogador que marcou o ensaio da vitória já no prolongamento.
À noite, houve festa no hotel, e os Italianos iam bem lançados...
Consta por aí que eu fui atrás de um menino de tronco nu, o que eu nego assertivamente. Seria incapaz de tal coisa, contanto que me viam. Andar nas ruas do Porto com batedores da Polícia, é do melhor que há, que não há tráfego, sentidos proibidos, sinais vermelhos, aproximações de estradas com prioridade, entradas em rotundas que nos travem! Ser atirada ao ar por jogadores de rugby de 15 (que são mais entroncados que os de seven), é uma sensação inigualável, que eu acho que voei tanto que mais um bocadinho e precisava de botijinha de Oxigénio! As equipas mais fantásticas foram as do Guão (feminina) e do Líbano (masculina), sempre bem dispostas e muito muito simpáticas.
Trabalhei muito, dormi pornograficamente pouco, andei muito muito cansada (ontem dormi o dia todo e hoje não madruguei propriamente...), tenho as calças todas a escorregarem-me pela barriga abaixo, que se não fosse a anquinha parideira, não sei até onde iriam, de tanto que me mexi e do pouco que fui comendo, andei a leste de tudo que não dissesse respeito ao Mundial -podíamos estar a ser invadidos por Espanha, que eu não saberia...-, estava com umas saudades imensas de comer porco!, mas valeu bem a pena. Foi fenomenal, conheci gente fantástica, vivi coisas fora de série (fica tanto por contar...), e para o próximo, já estou perfilada na fila da frente!
Desde o dia 17 até ao dia 24, foram 8 dias de poucas horas dormidas, quantidade de trabalho absurda, músculos doridos, muito sol na fronha, e peitorais de jogadores de rugby ao léu (é só para não dizerem que eu estou sempre a resmungar com tudo!).
Comecemos pelo princípio.
Dia 1 - 17 de Julho (a 4 dias do Mundial):
Depois de uma noite de três horas de sono, toca o despertador. Começámos bem... Missão: ir até ao Meliá de Gaia.
Eu tenho muita vontade (e um dia ainda o vou fazer), de me apetrechar de soquete branca e sandálias, calçãozinho caqui e t-shirt branca, banana à cinta e mapa na mão, e ir para uma cidade armar-me em turista. Desta vez faltou-me tudo excepto o mapa na mão. E assim nesse aparato, saio do comboio e desato a procurar nomes de ruas nas esquinas das mesmas. É de louvar o facto de, aparentemente em todas as ruas de Gaia, haver uma placa nas esquinas com o nome da rua. Não estou a ser irónica, é mesmo verdade, e dá um jeitaço descomunal para quem anda à deriva. Vi umas três ou quatro placas, mas nenhuma era a que eu queria. "Bonito, já me perdi e ainda nem comecei a andar..." Giro sobre mim mesma e eis que vejo uma esquadra da PSP. Vou até lá, endereço os meus cumprimentos ao Senhor Guarda que estava sentado atrás da secretária, e pergunto-lhe para que lado ficava a rua já-não-me-lembro-qual:
eu: -Bom dia [pausa para ele me responder], seria possível dar-me uma informação, por favor? Para que lado fica a rua já-não-me-lembro-qual?
sr.agente: -Hum... É para ali.
eu: -[momento de expectativa] Mas... "para ali", para a esquerda, ou "para ali", para cima?
sr.agente: -Está de carro?
eu: -[e isso implica alguma coisa com o local da rua?] Não, estou a pé
sr.agente: -[levantar da cadeira, acompanhar-me à porta] Disse a rua já-não-se-lembra-qual?
eu: -Sim...
sr.agente: -É a que vai até ao Tribunal! [sensação de dever cumprido]
eu: -[atonicidade total... Oh homem, se eu chego a uma esquadra da polícia e te pergunto por uma rua, é porque se calhar não sou de cá! Sei lá onde fica o Tribunal!] [tentando manter-me calma e com um sorriso nos lábios] Pois, e é a que vai para cima ou para a esquerda?
sr.agente: -É aquela [apontar para a esquerda], que é a que vai até ao Tribunal.
eu: -OK, muito obrigada, bom dia.
sr.agente: -Se seguir sempre vai ter ao Tribunal.
eu: -[sorriso forçado] Sim, bom dia, obrigada [ala daqui para fora, antes que ele me queira levar lá...]
Diz que Deus Nosso Senhor distribuiu coisas aquando da nossa feitura. Eu não acredito nisso, até porque se houve momentos em que Deus Nosso Senhor não deve ter estado com particular interesse, um deles é bem capaz de ter sido quando os meus paizinhos trucla-trucla. Mas isto sou eu, que qualquer dia desatam por aí a chamar-me de herege. Seja como for, volta e meia falha-me a sensatez.
Eu tinha um mapa patrocinado pelo tio Google, com um traçado todo catita que me levava da estação até ao hotel. Mas, eis senão quando, ao atravessar uma rua, olho para a direita e para além de não ver nenhum carro o que me permitia atravessá-la, vejo a torre do hotel. Ora, a dita cuja tem 22 andares, o que a torna praticamente visível de qualquer parte da cidade. Mas pensei nisso? Oh pensaste! Meti-me logo por aquela rua acima, "que por aqui é que vou bem, que é de certeza muito mais perto!" Acabou por correr bem, mas temi pela vida quando vi carros sem portas e sem vidros parados na berma da estrada. Foi um bocadinho assustador, principalmente quando dois dias depois tive que passar por lá às onze da noite! Um dia destes ainda se me acaba a sorte. Isso, ou convidam-me para me juntar a uma quadrilha!
Dia 2 - 18 de Julho (a 3 dias do Mundial):
Uma das razões para eu ter tido muito trabalho antes da minha equipa chegar, foi ter feito parte de dois departamentos: o da hospitalidade e o da acreditação. Este último implicou muita impressão, muita foto tirada a elementos de algumas delegações (a maior parte...) que não fizeram o trabalho de casa, muitos dados inseridos na base de dados, muita plastificação, muito corte na guilhotina. Se algum dia tiver que pedir emprego num escritório, já vou com uma pedalada tal, que passo logo à frente dos que andaram a tirar cursos teóricos.
Nestes dias que precederam o Campeonato propriamente dito, almoçávamos e jantávamos no hotel. O que era uma maravilha se conseguíssemos chegar ao buffet antes das brasileiras (cuja delegação chegou cá muito antes de todas as outras e muito antes do campeonato começar...), caso contrário, já pouca comida havia...
Sendo que enquanto as delegações não chegavam, não podíamos fazer nada, fui-me mitrar num outro departamento para me manter ocupada e facilitar-me a tarefa de não adormecer. Foram 500 t-shirts, 500 canetas, 500 brindes enfiados em 500 mochilas numa sala à tosta do Sol. Foi um trabalho em série que faria o Henry Ford sorrir de orgulho.
Quando chegava alguma delegação, era um montão de trabalho de secretaria inimaginável!
Dia 3 - 19 de Julho (a 2 dias do Mundial):
Mais do mesmo, fotos, impressões, problemas com a impressora, plastificações, ir a correr para o buffet e ainda assim as brasileiras já terem rapado tudo, mais fotos, mais dados inseridos, dar uso ao inglês, ter uma reunião para os guias, fazer uma visita às entranhas do estádio do Bessa, conhecer os meandros da coisa, e esperar pelo princípio da noite, altura em que chegavam os Marroquinos.
O primeiro impacto foi um bocadinho "ai credo, no que eu me fui meter!", porque o responsável que tinha chegado naquele voo não percebia puto de inglês, pouco francês falava, sendo que estava como peixe na água no árabe. Já eu, sinto-me bem com o meu inglês, dou uns toques fraquinhos no francês e do árabe sei as palavras que começam por "al-" na nossa língua, mas é claro que dizer-lhe umas quantas "alfarrobas", "alfaces", "almôndegas", "almofadas" não nos ia levar a sítio algum... Valeu-me o responsável da acreditação saber falar um francês exímio. Para além disso, entre 10 jogadores, 2 percebiam inglês, e nenhum dos 10 se importava com as patacoadas que que eu dava no francês, sendo que lhes agradeci de todas as vezes que me corrigiram, pedi desculpas de todas as vezes que dizia qualquer asneira, e fiquei encantada quando me diziam que não havia problema.
Acreditação feita, fui pôr os meninos a jantar, que deixaram combinado para o dia seguinte, um passeio matinal.
Dia 4 - 20 de Julho (a 1 dia do Mundial):
Ora, de Gaia, o que é que eu conheço? As caves do Vinho do Porto... Ali para a zona do hotel, nicles. Mas o que eles queriam era desentorpecer as pernas (porque estiveram muitas horas sentados no avião) e então andar pouco mais que à volta do hotel foi mais que suficiente. Mimaram-me logo ali de manhãzinha quando me viram, brindando-me com um "aahhh... La plus belle!..." Soube que moravam todos em França, e que representavam Marrocos porque são filhos de Marroquinos. Havia aliás um deles que era filho de um espanhol e de uma francesa/marroquina.
A partir deste dia, pensava sempre em três línguas (inglês, francês e português), e com eles falava 1/3 de francês, 1/3 de françuguês, 1/3 menos um bocadinho de inglês, e o bocadinho que falta, de linguagem gestual. Com o descendente de espanhóis, falava ainda portunhol.
Chegou a ser uma confusão tal, que já dava por mim a falar francês com o senhor da recepção do hotel, a falar portunhês com a minha mãe, a falar inglês com pessoal português. Foi tamanho exercitar de língua, ... [é melhor não continuar o raciocínio, porque ia sair malandrice e não vale a pena...]
Dia 5 - 21 de Julho (1º dia do Mundial):
De ressalvar, houve a Cerimónia de Abertura nos Aliados, não sem antes aqui a je andar pela baixa do Porto de carro com um jovem que não é de cá -e sabe quem me conhece (e fica a saber quem não conhecia), que eu para dar indicações sou um must!- para ir à última da hora entregar as credenciais aos VIP's da UP e da Câmara.
Dia 6 - 22 de Julho (2º dia do Mundial):
Ou, "o dia em que a Raquel transbordou e desatou a responder torto e em francês!"
Os jovens da delegação eram todos franceses, mas os cotas não. Moram todos em Marrocos e devem estar muito mal habituados com as marroquinas.
Ora eu faço tudo o que me compete, tudo o que é minha função ainda que possa achar mal, mas não me nego a nada. Mais do que isso, e ainda por cima levar com ares de quem quer mandar em mim, não!
Andavam o treinador e o treinador-adjunto a achar que a Raquel era burra de carga e empregada deles, e ligar ao que ela dizia no que toca a horas de treino, a horas de apanhar o autocarro, a horas de ir para os balneários ou para o campo, 'tá qu'eto! Vai daí, a meio dum jogo vira-se um deles para mim com o reizinho na barriga "Rachel, du glace!", farto de saber que o "glace" estava com o pessoal médico, para além do facto de eu estar numa bancada ao sol, coisa não muito aconselhável para armazenar gelo nem que eu quisesse!
-"Du glace, meu filho da mãe?! Achas mesmo que eu é que tenho du glace?! O glace está com os médicos, e eu estou ao Sol, e nem me vou levantar para to ir buscar porque tu tens a mania e eu estou farta de te aturar!"
-"Pardon Rachel, pardon..."
-Sabes o que se diz em Portugal? Mete o "pardon" pelo....
A partir dali, não me esforçava um cadicho que fosse por eles. Não percebes inglês? Problema teu, que a língua oficial do Campeonato é inglês, e não sou eu que me tenho que esforçar para falar francês. Não queres ir para o campo? Já disse para vos marcarem falta de comparência, que pode ser que para a próxima aprendas!
Para os meus meninos, tudo; para os cotas, nada.
Dia 7 - 23 de Julho (3º dia do Mundial):
Os meus meninos foram os que mais trabalho deram ao fisioterapeuta. Não houve um jogo em que eu não fosse com pelo menos um deles a correr para o gabinete médico, sendo que mesmo antes, durante e depois dos treinos, também não faltaram as idas lá.
No final do último jogo deles do dia, fui com três para o tratamento, onde ficamos um bom bocado de tempo. Saídos de lá, resto da delegação de grilo. Voltaram os meus pirolitos a ficar danados, tanto que os três que estavam comigo deram conta e me confessaram que também estavam furiosos com o sucedido. Fomos os quatro para o hotel, enquanto eles me diziam que iam dar cabo do treinador e me perguntavam se eu queria ir também. "Quero pois!"
Dia 8 - 24 de Julho (4º e último dia do Mundial):
Em campeonatos de rugby, as regras são um bocadinho diferentes. Primeiro há na mesma a fase de grupos, em que jogam todos contar todos dentro do grupo, sendo que depois, e consoante o lugar em que ficaram no grupo, há três taças a disputar: a Bowl, a Plate e a F CUP (F de Final, ou seja, a melhor, a que Portugal masculinos ganhou). E que equipa ganhou a Bowl, quem foi, quem foi? Marrocos, ora pois! Com uma guia tão inspiradora, quem mais...
E fiquei com a camisola do jogador que marcou o ensaio da vitória já no prolongamento.
À noite, houve festa no hotel, e os Italianos iam bem lançados...
Consta por aí que eu fui atrás de um menino de tronco nu, o que eu nego assertivamente. Seria incapaz de tal coisa, contanto que me viam. Andar nas ruas do Porto com batedores da Polícia, é do melhor que há, que não há tráfego, sentidos proibidos, sinais vermelhos, aproximações de estradas com prioridade, entradas em rotundas que nos travem! Ser atirada ao ar por jogadores de rugby de 15 (que são mais entroncados que os de seven), é uma sensação inigualável, que eu acho que voei tanto que mais um bocadinho e precisava de botijinha de Oxigénio! As equipas mais fantásticas foram as do Guão (feminina) e do Líbano (masculina), sempre bem dispostas e muito muito simpáticas.
Trabalhei muito, dormi pornograficamente pouco, andei muito muito cansada (ontem dormi o dia todo e hoje não madruguei propriamente...), tenho as calças todas a escorregarem-me pela barriga abaixo, que se não fosse a anquinha parideira, não sei até onde iriam, de tanto que me mexi e do pouco que fui comendo, andei a leste de tudo que não dissesse respeito ao Mundial -podíamos estar a ser invadidos por Espanha, que eu não saberia...-, estava com umas saudades imensas de comer porco!, mas valeu bem a pena. Foi fenomenal, conheci gente fantástica, vivi coisas fora de série (fica tanto por contar...), e para o próximo, já estou perfilada na fila da frente!
7 comentários:
1.Estes policias realmente lol ao menos viste o tribunal? :D
2.ahah queres vir empacotar coisas a minha casa? :P produção em série é um dom que gostaria de ter!
3. olha serviu para apurares o francÊs. mas imagino a confusão. eram bonitos pelo menos ? =D
4. estavas quase a inventar uma nova língua, qual tosta mista :D
5. Bonito sitio e sempre muito trabalhadora! quando precisar de boleia já sei!
6. Soltou-se a fera :D
7. Foste? Foste?
8. Podiam ter-te oferecido a taça como compensação pelo trabalho e pelo esforço linguistico :D
vês como sou boa moça e li o testamento todo? para a próxima "voluntario-me" contigo :D
1.Não vi o Tribunal porque me meti pelo atalho manhoso.
2.Por muito tentador que seja, sinto-me impelida a recusar ;)
3.Haviam lá dois que facilmente me levariam para maus caminhos, e um outro que não precisava de se esforçar muito para tal...
4.Eu acho que houve momentos em que só eu é que me conseguia perceber a mim mesma! :P
5.Se estás a falar da baixa do Porto, sim, é-o de facto, e sim, conheço uns óptimos sítios para onde conduzir pessoas que me levem a sério. Ou nem por isso... ;)
6.E muita sorte teve o homem de eu não saber dizer "Vais-te ph*der!" em Francês!
7.Por acaso até fui, mas porque foi ele que me levou. Mas negá-lo-ei para todo o sempre!
8.Era isso ou um copo durante a festa...
E, mulher, mereces dois hip e um hurra, que nunca pensei que alguém fosse capaz de ler o texto até ao fim, pelo menos de uma só vez! ;)
Para a próxima, mal saiba assim de qualquer coisa, digo logo e voluntariamo-nos todas! :D
ah e vi agora o selo, ora pois então, muito obrigada! ;D
Ora essa! Quem merece, merece, e ponto final! ;)
oO eu também li, e li antes de ler os comentários (o que até é normal, não sei pq faço referência a isso...) por isso tb quero uma cena dessas!! =P
O que não inventas para veres uns meninos de tronco nu... olha que era menos trabalhoso, arrastares as tuas havaianas até à praia... :P
Apesar desse trabalho imenso, foi divertido e isso é que interessa. Sair da rotina, aproveitar os momentos... ;)
Ficas-te com o contacto dos teus meninos? Depois de tanto parlapié, de certeza que seria agradável voltares a falar com eles!
Moçoilo: Queres o quê? Dois hips e um hurra? Ou voluntariares-te para eventos desportivos no pico do calor e que impliquem jovens semi-despidos? ;)
Caia: Mentira... O objectivo principal não foi, de todo, esse. Até porque, e como eu referi numa altura em que estavam lá uns quantos a apanhar sol nos peitorais e eu e outra a tomarmos conta deles, eu acho mais pinta à aerodinâmica dos atletas de natação. Não me faço esquisita por aí além, mas mantenho sempre os meus gostos.
De mais a mais, na praia nem sempre se vêem coisas boas, e ali era cada tiro cada melro! ;)
Quanto aos contactos, não fiquei porque sou uma rapariga anti-facebook, e agora parece que anda tudo rendido àquilo e não vêem mais nada para além de... Eles que perdem ;)
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