domingo, 11 de março de 2007

Porto Sentido

Já deixavam de acabar cursos (das duas maneiras: à conta de Bolonha; e à conta de estudarem, e findos 4 ou 5 anos, já estar tudo arrumado e prontos para deixarem de almoçar no McDonald's e passarem a comer no Empadões e Cia ;) ), já deixavam de passar imagens saudosas da RTP, já deixavam de dar Muse no rádio, na tv, ou seja lá onde for. Por defeito já me encontro nostalgica q.b., mas vocês não têm ajudado não... (E, enquanto escrevo isto, o meu pai ter vindo ao meu quarto perguntar-me se eu acabei com Tuna, não ajudou nada... Bolas para isto!)

Ouvi hoje um "Porto Sentido" sobrevoando por paisagens Moçambicanas. Um passeio qualquer, em jeito filantropo, do Rui Veloso pelas terras quentes de África, que suscitou em alguém que pode, um interesse noticioso digno do Jornal da Tarde. Também por defeito e não somente por me ter metido nisto que leva um rumo (mais que um curso) de Biologia, animais a correr livremente por savanas e habitats naturais, também têm o seu toquezinho especial em jeito de mexer com o brilhozinho nos olhos alumiado pela inconsciente mas conhecida vontade de aspirar a um estilo de vida do género. É muito naquela base do que dizia o Miguelito, da "Mafalda" de Quino, "uma tartaruga para ser tartaruga, tem que ser tartaruga; um gato para ser gato, tem que ser gato; um coelho para ser coelho, tem que ser coelho; um Homem para ser Homem, tem que ser engenheiro, arquitecto, advogado, ..." (E ainda assim, nos achamos os maiores...). Mas então aquela música avivou a nostalgia que por aqui se vem verificando, e um pensamento que muito me tem assolado. Não lhe chamarei medo porque mais que a própria definição da palavra, é em si uma palavra muito forte, no sentido em que acobarda sempre quem a usa. Mas a verdade é que anda muito por perto o que tenho sentido. E não é menos verdade a razão e os fundamentos que lhe dão origem.
Quatro anos passados em tão boas companhias, numa cidade maravilhosa, tão diferente de tudo, tão igual a si mesma; com gentes e lugares e tempos tão próprios, apenas dados a conhecer a intrusos como nós, que dela fazemos, ao jeito dos vírus injectados por vacinas em corpos mais ou menos sãos dos quais precisam por necessidade de se manterem de pé, uma casa emprestada, um recreio por vezes... O assustador não foi ter chegado e caído em chão seguro mas desconhecido, nem tão-pouco é o quanto se ganha e, inevitavelmente se perde; é o receio de não ter onde guardar tudo. É o receio de que, quando acabar o tempo Presente, o Futuro nos corte os cordões umbilicais que fomos distribuindo por aqui e por ali.
Se eu vos pudesse pedir uma coisa, a todos vocês que sabem quem são, porque mais do que eu vos referir, importa terem a certeza de que o são, aparte das referências do género agradecimentos de Óscares, pedir-vos-ia que nunca deixem o Porto de existir nas nossa relações, não tanto (mas também) em sentido físico, mas muito no que teremos que recordar, que reviver. Pedir-vos-ia para não se esquecerem do que fomos, do que passamos. Pedir-vos-ia para não crescerem, porque ser adulto é uma seca. Ser adulto faz-nos esquecer muita coisa. E se esquecer é mau, não lembrar é pior. Pedir-vos-ia para que, e porque um dia todos seremos Passado, não se limitarem a guardar na memória os testemunhos, as histórias, os enredos, os tempos idos. De nada valeria viver isto se depois não pudessemos continuar a partilhar as muitas vidas dentro da vida única de cada um de nós, e que muito diferentes se adivinham, uns com os outros. Não quero correr o risco de vos perder. "Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!".
E sim, isto foi só pedir uma coisa. Foi pedir para não deixarem nunca a saudade chegar...

Para além do mais, e já que agora se adivinha um brilhozinho nos olhos não alumiado, mas daquele em tom de humidade relativa exacerbada, há muita gente de quem já sinto saudades. Nunca o saberão. Nunca lhes direi, nunca saberão ler os sinais. Custa perder laços, custa olhar para trás e ver risos e cumplicidade, e custa olhar para a frente e onde antes havia coisas boas, agora não haver sequer um sorriso. Custam as vicissitudes da vida. Custam os encontrões, os desencontros, as pedras no caminho, as hipocrisias... Custa ter que abandonar tudo por uma mesquinhice. Custa essa mesquinhice não merecer uma gota do que o restante merece, e ainda custa mais que essa mesquinhice modifique tanto a vida e aniquile relações... E custa o medo de, porque já aconteceu, voltar a acontecer. E perder tudo. Outra vez...
Ser adulto é uma caca...

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